O Baile
Acto I
Cena I
(continuação)
É a vez de Maria acender também um cigarro. Num acto de libertação todas as mulheres presentes no café fumam. Os homens, esses, bebem cerveja Super Bock e continuam fixados a olhar para o grande ecrã que debita agora mais entusiasticamente através da coluna os comentários omnipotentes e ininterruptos dos repórteres do canal de televisão. Maria e Conceição não falam por momentos enquanto em volta da mesa se formam nuvens de fumo. Um empregado traz mais dois cafés. O barulho no café é ensurdecedor e cada vez menos suportável. As vozes dos comentadores misturam-se com o desespero dos elementos masculinos já enraivecidos com a prestação das equipas. A permanência cuidada num local com estas características obrigaria ao cumprimento de certas normas preventivas, como o uso de tampões nos ouvidos para a protecção do canal auditivo, irremediavelmente abalado com os decibéis muito acima do tolerável e recomendado, ou a utilização de uma máscara de oxigénio portátil contra a nuvem adensada do fumo de cigarro que emana da quase totalidade das mesas, ou ainda o porte de um fato especial que prevenisse contra os maus odores provocados, mais uma vez, pelo cigarro, esse vício persistente da sociedade portuguesa pós-moderna. Mas a maior das medidas e a única que é racional seria banir por completo o cigarro das mesas de café e de restaurante, das entradas dos hospitais e das escolas, dos serviços públicos e das empresas privadas. A proibição, no entanto, em Portugal, cheira a Salazar e a Estado Novo, está colada a uma direita ultra-conservadora e não se enquadra numa nação pós-moderna, liberal e tolerante. Depois também seria difícil encontrar fiscais, não os há, porque o estado português há muito que faliu e os imensos voluntários anti-tabaco da praça seriam certamente escorraçados pela maré crescente de fumadores. O efeito lata de conserva seria então mais tolerável embora não resolvesse o problema ambiental.
(continua)
De Campos
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