domingo, junho 04, 2006

A Dança dos Pinguins


Poderia ser mesmo o título do filme de Luc Jacquet, mas, no original, intitula-se La Marche de l’Empereur ou a Marcha dos Pinguins. Lançado em 2005, no grande ecrã, está há algum tempo disponível em formato DVD, nas melhores casas de aluguer de vídeo. Mas porquê falar de pinguins num blogue sobre danças de salão? Para quem já o viu, a razão é mais que simples, tratando-se mesmo de um tributo obrigatório a um filme que não deixa ninguém indiferente. Nós, humanos, achamos que somos realmente superiores, orgulhosamente únicos, seres dotados de uma incomparável inteligência, e, no entanto, estupidamente destrutivos, infinitamente cruéis, dispostos a acabar com o bem mais precioso que temos, a Terra. Escrever sobre o filme de Luc Jacquet é um acto de solidariedade, em particular, para com os pinguins e, em geral, para com o nosso planeta que sofre.


Seres andantes por natureza, os pinguins agrupam-se numa colónia extensa na terra fria da Antártida. O branco do gelo e o azul cinza do mar pintam o fundo do ecrã, apenas quebrado pelo manto preto e branco que cobre a planície gelada. O pinguim imperador destaca-se no deserto frio pela sua pose altiva e imperturbável.


Dotados de um grande sentido de família e comunidade, os pinguins empreendem sazonalmente marchas vitais à sua existência como espécie e Luc Jacquet filma-os com especial intuição e sensibilidade. O filme não se resume a ser um documentário mas ultrapassa as barreiras mais descritivas e conta uma história de luta pela sobrevivência, uma história de marchas e de bailados, agora menos seguros, porque interferidos por um aquecimento global que ameaça destruir o seu habitat.


A marcha do crepúsculo é um dos primeiros grandes bailados do filme. A câmara acompanha os movimentos trôpegos da colónia em direcção a terra mais firme e mais distante do oceano, enquanto sobrevoa o espaço e nos dá imagens soberbas da extensa fileira de pinguins em marcha. Um abrigo que não existe, mas uma planície infinitamente branca entre o céu e a terra que não oferece nem protecção nem aconchego. O lar dos pinguins é um salão de baile inóspito, suficientemente grande para albergar a colónia, disposta agora a acasalar e assegurar a descendência.


Chegados ao clímax da marcha, os casais de pinguins enamoram e inebriados num bailado de carícias lento e majestoso, acasalam na planície fria. A banda sonora acompanha com acordes lindíssimos os momentos mais tórridos de uma relação amorosa que deixa os humanos boquiabertos, pela simplicidade de gestos e entrega total ao parceiro. Por ali ficam os nossos queridos pinguins, aguardando pacientemente a gestação e a eclosão dos ovos. Indiferentes ao frio gélido antárctico, ao vento glaciar que sopra ferozmente, não estão sozinhos os nossos pinguins. A equipa de filmagens de Luc Jacquet filma exaustivamente, sem, contudo, quebrar a distância humana que os separa do espaço natural tragicamente finito dos imperadores do gelo.


Guardiães atentos dos preciosos ovos, macho e fêmea, qual marido e mulher, revezam-se no porte equilibrado do ser nascente, sabiamente levado entre as pernas que cambaleiam e o gelo fulminante do frio debaixo das patas que ameaça fazer descer rapidamente a temperatura dentro do ovo. Uma luta constante entre a vida e a morte, uma sobrevivência que terá novas histórias para contar quando os pequenos pinguins recém-nascidos começarem a sua grande marcha.


Os pais atentos lá vão incitando os pequenos e frágeis pinguins a marcharem no gelo, a sobreviverem na colónia, também ela sujeita a muitas angústias e ciúmes. Mães pinguins, que perderam os seus filhos prematuramente, lutam em desespero de causa pelos filhos dos outros. Sujeitos à pressão do grupo, os filhotes pinguins ainda são alvo de bicadas esfomeadas por parte de albatrozes atentos que sobrevoam a área. Perante o olhar nervoso dos pais, os pintainhos iniciam a sua marcha, um bailado de iniciação na arte de ser pinguim que não tem tréguas.


A comunidade dos pinguins está esfomeada e chegou a vez das mães irem à pesca do alimento precioso, enquanto, pacientemente, os pais zelam pelos pintainhos, resistindo em marcha a mais de vinte dias de fome e frio. Esgotados e com a pele descolorada pelo esforço, os pinguins imperadores só verão recompensados os seus esforços quando voltarem ao mar, ao horizonte marítimo longínquo. Fonte de vida, o oceano trará a felicidade e o restabelecimento desejado. Envolto em mistério, fica para sempre a estranha ausência dos pinguins no oceano da Antártida por um período superior a quatro meses...

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