quinta-feira, janeiro 04, 2007

A Cinderela das artes performativas


Martin Kettle

Dança é esperança, optimismo incarnado, uma afirmação da nossa humanidade. Necessita ser valorada todo o ano e não só no Natal.

Parte I

A dança é a Cinderela das artes performativas. Mas no Natal prepara-se para ir ao baile. Para os teatros e os meios de comunicação, o Natal é o maior festival de dança do ano. Os dançarinos profissionais nunca trabalham tão afincadamente como nesta altura do ano, com todos os Quebra-Nozes e Lagos dos Cisnes a tomarem conta das casas de ópera e de espectáculos. Neste Natal, a programação da BBC inclui: Giselle, Os Sapatos Vermelhos, um documentário sobre o Royal Ballet e, a cereja no bolo, a final do Dança Comigo.

Na verdade, o que é estranho não é o facto da dança receber tanta atenção dos meios de comunicação no Natal. O estranho é receber tão pouca atenção durante o resto do ano. Durante 11 meses em 12 a dança continua, um facto de pouca relevância na vida cultural, discreto, uma actividade ocasional para milhões. E o resto de nós quase nem repara.

Porque é que isto acontece? Não é pela arte em geral ser um gueto. As outras artes estão sempre nas notícias. Um novo musical em West End, um actor famoso num novo papel principal, ou um tenor que protagoniza uma birra na ópera – são histórias grandes e noticiáveis. Os media levam-nas a sério e correctamente. Mas desde quando é que a dança leva o mesmo tipo de tratamento intensivo?

Com algumas excepções, os agentes e protagonistas do mundo cultural partilham este buraco negro. Os intelectuais gostam de ter obsessão pelas artes visuais, pelo teatro, ópera e música. A dança, que pertence à mesma companhia, conta relativamente pouco. Incrivelmente, não há quase nenhum livro sério sobre dança. A dança não tem qualquer Simon Schama, Bryan Magee, ou Harold Bloom. Talvez os intelectuais não dancem. Eu suspeito que a verdade mais simples seja que os homens que dominam o estabelecimento cultural ocidental olhem sobranceiramente para uma arte performativa na qual as mulheres competem em iguais circunstâncias e a qual é particularmente atraente para as mulheres.

A razão pela qual há tanta dança à volta hoje é fácil de explicar. É porque, seja o que for que o estabelecimento cultural diga, a dança é incrivelmente popular. Muito mais popular, a verdade seja dita, do que a maioria das outras artes subsidiadas. O Lago dos Cisnes e o Quebra-Nozes enchem os lugares sazonais sem vazios. E a Gizelle do Convent Garden no dia 26 de Natal terá uma audiência na televisão mais do dobro de qualquer ópera.

Mas não é só o ballet clássico que é popular. É a dança em geral. A dança é popular no seu sentido mais verdadeiro e profundo. Pertence às pessoas. Nenhuma outra arte performativa a pode igualar. Reparem no sucesso estrondoso do Dança Comigo e em todas as imitações que originou. Sim, em parte é o kitsch, o guarda-roupa, as celebridades... No final, no entanto, o sucesso do espectáculo deve-se a um ingrediente mágico. Está intimamente ligado à nossa necessidade humana profunda de dançar. Faz premir o botão e diz: Eu podia fazer aquilo e adorava!

Martin Kettle

The Cinderella of performing arts for once goes to the ball

In The Guardian, 23/12/2006, pp. 25.


Traduzido e adaptado por

De Campos

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