S. Brás
Um largo da Igreja harmoniosamente decorado, com plantas e flores a alegrarem a calçada e uma banda filarmónica a tocar desde o coreto valsas e rumbas. Alguns pares de novos e velhos dançam ao sabor do vento. A festa de S. Brás tinha sido anunciada há algumas semanas por panfletos distribuídos no correio dos moradores e muita vizinhança contribui para o recheio das barraquinhas com bolos e outra ementa caseira. Foi pedida a colaboração a todos. É especialmente concorrida a barraquinha que vende as célebres ganchas de S. Brás, um rebuçado de açúcar em ponto e em forma fálica e cónica. As moças cantam alegremente: vou ao S. Brás comprar uma gancha para dar ao meu rapaz! A ruela que termina no largo da Igreja não está só decorada com as barraquinhas das guloseimas, há artesanato local e venda de roupa em segunda mão para ajudar os mais necessitados. No programa de festas que se encontra disponível também no sítio em linha da freguesia, há fogo preso, a actuação de ranchos folclores no palco improvisado e a muito esperada apresentação do grupo de dança e teatro da terra. Durante a tarde de sábado e de domingo, os mais novos terão muitas surpresas, com a vinda de palhaços e a de um circo ambulante. Pelas nove da noite será activada a iluminação da igreja propositadamente arquitectada para o evento.
No plano da realidade
Há mais de duas semanas que a vizinhança não tem sossego em Gualtar, Braga. Desde o topo da Igreja paroquial, situada na encosta do sol, megafones debitam bem acima do limiar do confortável o anúncio da festa de S. Brás. Todos os anos é o mesmo inferno. Logo ao raiar do dia que a berraria do megafone espalha o som esganiçado da música popular por toda a freguesia. Ao cair da noite, para lembrar ao povo que se trata de uma festa religiosa, a música gravada é trocada por uns quantos hinos a Nossa Senhora. Apesar dos vidros duplos e da dupla calha instalada nas janelas, o som penetra ansioso e tortura durante todo o dia o sossego dos moradores. Ao longo da semana vai-se ensaiando o tiro certeiro dos foguetes e a qualquer momento a vizinhança é sobressaltada com um estrondo vindo do largo da igreja, mesmo durante a noite, sim, porque o ensaio da pedreira também acontece à meia-noite, aliás, o homem dos foguetes só tem tempo para vir em horário pós-laboral e tem que se ensaiar à hora certa. No fim-de-semana da festa o nível da berraria dos megafones do cimo da igreja é ajustado, ao que parece ainda não estava suficientemente alto. Há que chamar a gente e nada melhor que anunciar a festa com uma voz de catarro miserável e com atropelos ao mais nobre português da região. Quem quiser pode perfeitamente ficar em casa, ouve em melhores condições a voz esganiçada do rancho gravado e o leilão dos lençóis e colchas do feirante convidado para animar a festa. Ao badalar das horas, mas também às meias e aos quartos, o fogueteiro dá o ar da sua graça e lança umas canas bem junto à multidão, para enervar ainda mais as mentes torturadas com os berros do megafone. À noite com as luzes coloridas da igreja acesas tem até mais piada e há que lembrar aos pobres dos moradores que a festa é a toda a hora. Os frangos chamuscados na grelha e os cachorros e farturas estão assegurados pelas caravanas ambulantes. Parece que lá vai estar uma senhora com as célebres ganchas de S. Brás.
De Campos
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