O regresso do Nias
Como vimos, o Nias embalou mar alto, deixando a amada que nunca viu nem ouviu.
Ao fim de um jive de três dias, aconteceu algo extraordinário.
Viu, mesmo sendo cego.
Ouviu, mesmo sendo surdo.
Na verdade, a água do mar dilui-lhe a cera dos ouvidos e removeu-lhe o lixo dos olhos.
A culpa foi da mãe, que nunca lhe deu banho.
Para além de porca, a senhora era uma cabra que não queria saber da descendência.
Mas foi por isso que casou.
Efectivamente, o pai do Nias gostava de cabras.
Na adolescência visitava regularmente o curral de um vizinho.
Mas teve de desistir dessas visitas, porque o bode era ciumento e, tendo as armações enroladas para a frente, um dia deu-lhe uma marrada, de modo que o jovem pai do Nias gostou na hora, mas depois passou quinze dias a comer em pé.
A partir daí decidiu mudar de vida e dar mais atenção ao mundo. Até que um dia ouviu um cliente daquela que seria a sua futura esposa chamar-lhe “grande cabra”. Aliás, dirigiu-lhe mesmo alguns dos elogios habituais, extensivos à mãe dela.
Mas o que lhe ficou no ouvido foi o facto de ela ser uma “grande cabra”.
Teve com ela uma conversa franca, revelando as suas intenções.
Ela chamava-se Agrado (a que inspirou o Pedro Almodôvar), porque gostava de agradar aos homens.
Como era hábito dela, foi muito aberta, mas como mulher de negócios aplicou-lhe a tabela.
Esse hábito já o tinha bem enraizado do tempo em que dava espectáculos como bailarina exótica.
Os clientes protestavam contra o facto de ela ser um verdadeiro camafeu, mas o empresário respondia-lhes que mais exótico não encontrariam. Eles lá comiam a resposta e seguiam caminho, mas a verdadeira razão é que ficavam a achar que, à beira daquilo, as suas esposas eram modelos de revista. Bem, quase!
O pai do Nias fez logo um test drive. Apreciou o facto de ela ter uma penugenzita. Enfim, ela era cabeluda. Aliás, tinha mesmo uma pelugem sedosa que lhe cobria todo o corpo.
Mas a promessa maior era o facto de ela ter aquele farto par de seios nas costas.
Como ele gostava de dançar imaginou logo que tinham futuro.
Três meses depois de se conhecerem nasceu o Nias, fruto de uma gestação de 150 dias.
Mas voltando ao Nias, quando no mar alto arregalou os olhos, sentiu-se um iluminado.
Era o efeito do sol.
Foi então que se sentiu picado por uma lança de madeira.
Perdeu os sentidos e acordou dentro de uma embarcação.
Ficou tranquilo e achou que estava salvo.
E daí, não tinha a certeza.
Fernando Vilas Boas
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