Dança dos mortos vivos
Já não vou ao baile de sexta há quinze dias! Sinto os meus pés a entorpecer. As causas que me afastaram são porém mui nobres. Sexta 31 foi dia de Halloween. Na escola onde ensino festejou-se a noite das bruxas com leituras inquietantes na biblioteca. Foi uma noite única com caixões e mortos vivos em palco, poetas enfurecidos, homens enlouquecidos e atropelados pela sua própria consciência. Como é de danças que falamos neste blogue, neste dia de Halloween vem-me à memória a dança dos mortos vivos que Michael Jackson eternizou nos anos oitenta em Thriller.
http://www.youtube.com/watch?v=uy8kIXA4STs
Pés andantes, Pés dançantes
Não é todos os dias que damos valor aos nossos pés. É preciso muitas vezes passar por experiências dolorosas para reflectir sobre o real valor dos pés. De facto, eles não são só o suporte de toda a nossa estrutura, mas principalmente o garante de uma deslocação estável e segura para o nosso corpo. Hoje os pés são desprezados e encontram-se demasiado tempo entrecruzados, encaixados um no outro, em repouso forçado na cadeira ou, então, são substituídos na sua verdadeira função por rodas mais potentes e velozes. Já não se passeia a pé, passeia-se de carro, mesmo para percursos incrivelmente pequenos. Os passeios para pedestres deram lugar a largas vias para automóveis. Nas cidades portuguesas os passeios são frequentemente inexistentes ou inacabados. Não é raro dar com passeios que terminam de forma súbita numa berma que já só tem espaço para a estrada e para os carros, esses que não hesitam em galgar desenfreadamente o espaço de quem anda.
Quanto a mim, continuo a preferir um belo passeio a pé, não só porque me apercebo de tudo à volta mais facilmente, como também me dou conta de pormenores que de outra forma me passariam completamente ao lado. Há também uma outra vantagem, para além dos benefícios físicos, que é a predisposição para a meditação ou reflexão enquanto se caminha. Tudo combinado faz do caminhar o movimento mais natural, o mais humano e o mais belo. Mesmo quando a poluição dos carros nos afasta do ar livre e nos empurra para as passadeiras dos ginásios, vale a pena. Podemos sempre esperar pelo baile de sexta e experimentar diferentes andares em diferentes géneros de dança. Em último recurso, uma caminhada na mata do Gerês, como a que fiz no passado domingo, em grupo. Os pés foram submetidos a tratamento de choque, a caminhada só terminou passadas quatro horas e meia e quase vinte kms percorridos, mas os níveis de endorfina foram elevadíssimos. A caminhada proporcionou um conjunto único de bons ingredientes: um contacto próximo com a mãe natureza, boas conversas pelo caminho que se foi fazendo andando e, por último, o valorizar dos pés, que, apesar de doloridos, se aguentaram firmes para a função que foram destinados: andar. Uma certeza no final fica, se os pés não forem treinados para a sua função essencial, das duas uma, ou acabamos como os gordos intergalácticos do filme Wall-E de Andrew Stanton, prescindindo dos pés e encarcerados em cadeiras rolantes, ou, então, resta-nos pedir subsídio no ministério para o andar desalinhado, desarticulado e pateta, como nesta cena dos Monty Python:
http://www.youtube.com/watch?v=IqhlQfXUk7w
O espírito da dança
O Rui fala nos “anos saudosos”, nos “bailes mais espontâneos” e nos “fins-de-semana dançantes”. Onde foi parar tudo isso?
Será que perdemos o espírito da dança?
Será que apenas tivemos a sorte de entrar um grupo excepcional que entretanto se foi dispersando e agora é que entramos na realidade?
Será que este caminho não tem retorno?
Onde está o carisma do «baile de sexta»?
Mais importante do que olhar para o que se perdeu é olhar para o que se pode recuperar.
O «baile de sexta» tem de renascer.
Basta querermos todos.
A escola mandou uma carta aos que se afastaram.
A turma podia recuar e recuperar o fôlego.
Quem vai voltar?
Quem quer entrar na dança?
Fernando Vilas Boas