quinta-feira, setembro 27, 2007

Contos loucos

Ele chamava-se Nias.

O Nias queria dançar, mas tinha os pés grandes. Tipo barbatana.

Não conseguia calçado de dança à medida e os sapatos prometidos pelo Filipe não passavam disso mesmo: promessas. Eram sapatos tipo Salvador em falta.

Acho que o Filipe ainda está na fase do antigo testamento.

O salvador ainda não veio à terra e, por isso, andamos todos descalços.

Mas voltando ao Nias, o pessoal achava-lhe uma certa piada.

Frequentemente ele tropeçava nos pés e embalava pela sala fora, tipo carro desgovernado.

A turma mantinha-se atenta e o mais próximo berrava: «Vai louco»

Ele fingia que não percebia.

Ou melhor, não percebia mesmo, porque lhe faltava no ouvido o que tinha a mais nos pés.

Por outras palavras, era surdo que nem uma porta.

Daí que ele não levasse a mal, pois não topava nada.

Na verdade ele também era cego.

Quando se tornava chato, o pessoal deixava-o na sala até que a turma do dia seguinte chegava e lhe mandava água, de modo que o Nias dizia que estava a chover e ia embora.

Aliás, o Nias não via o relógio e, como grande aficionado pela dança, nem dava pelo tempo passar.

Quem não achava piada a estas partidas era a namorada.

Conheceram-se nas danças.

Ela era uma moça roliça e bem torneada.

Torneada era mesmo o termo certo, pois tinha uma prótese em cada perna, que encaixava em forma de parafuso.

Só conseguiu dançar menos mal quando apreendeu a valsar à esquerda.

Até aí rodopiava só para a direita e a prótese apertava o parafuso, de forma que ela ia baixando de estatura.

Depois de valsar para os dois lados, começou a decrescer no ir e a crescer no vir.

Só tinha de contar as voltas, para regressar com a mesma altura com que partiu. Era uma questão de identidade.

Havia colegas que fugiam dela, pois gostava de homens peludos e aproveita-se do seu pequeno problema para lhes examinar a cabeça, quando crescia, e os pelos do nariz, quando encolhia.

Contava ela que três tinham piolhos.

Diz-se que às vezes ela até ia mais longe nos seus exames, mas não são conhecidos protestos.

Mas foi esta característica que a levou a conhecer o Nias.

Efectivamente, quando aparafusava uma valsa, chegou perto do canto da sala, onde o Nias dançava freneticamente um Kuduro.

Na verdade, o pessoal tinha-se esquecido de lhe dar uma mocada nas costas, que era o sinal para ele mudar de estilo.

Podia parecer cruel, mas ao fim de três semanas ele já tinha ganho calo e o pessoal tratava de acertar sempre na mesma zona, pelo que ele só sentia o toque.

Aliás, nenhum outro sinal funcionava. Tentaram até usar uma ronca, mas dava cabo dos tímpanos a eles e assustava os velhinhos de Santo Adrião, além de que o Nias continuava a dançar. Afinal ele era um dançarino entusiástico.

Mas voltando à namorada, a verdade é que, compadecida com tamanhas barbatanas, foi amor à primeira vista.

À primeira vista para ela, porque para ele foi ao primeiro apalpão.

E que apalpão! Como o Nias era cego e surdo, não ouvia ela a gritar: “deslarga-me, deslarga-me!”

De modo que ele só parou quando a conheceu em pormenor.

Aliás, os deslargames dela foram-se tornando mais carinhosos à medida que ele ia reconhecendo o terreno.

E foi também a partir daí que ela começou a dizer: «Ai Nias, tira daí o pé Nias!!!!!!»

Mas era um tira e põe, tira e põe, tira e põe… de que ela gostava.

E gostou tanto que acabaram por casar.

Foram em lua-de-mel para uma bela praia tropical.

Contam os vizinhos que eram um casal exemplar, apesar de não os deixarem dormir.

Nunca perceberam porque é que ela gritava: “Vamos dormir ou quê?”.

E ele respondia: “Ou quê?”

Ela via isso como uma escolha e lá fazia o sacrifício.

Aliás, ela contava às amigas que ele a devia odiar porque a sacrificava todas as noites.

Porém, ela gostava de se sacrificar daquele maneira e só parava quando via que ele não tinha mais rancor.

O problema é que ele batia palmas com os pés enquanto faziam amor, de modo que os vizinhos protestavam porque, segundo afirmavam, aquele casal via televisão até tarde e não sabia aplaudir recatadamente.

Mas parece que por lá ficaram.

Ela meteu-se nas ondas e ganhou ferrugem nas próteses.

Ele começou a dançar um jive, mas ganhou velocidade e embalou pelo mar alto.

Ainda hoje os autóctones falam do fenómeno.

E assim se criam as lendas.

Afinal, uma valsa os juntou e um jive os separou.

É o velho problema dos casais com ritmos diferentes…


Fernando Vilas Boas

terça-feira, setembro 25, 2007

Um baile completo

Sexta-feira que passou não foi só noite de baile, tipo aula propriamente dita. Como em todas as sextas a discoteca Populum encheu pelas costuras. O salão estava à pinha de gente, mal havia espaço para dançar, mas mesmo com tão reduzido espaço e depois de uma maratona de mais de duas horas em aula intensa, feita de Jive e Tango, as pernas sobravam e deleitavam-se com a hipotese de mais uns passinhos, desta vez, com mais parceiros e parceiras disponíveis. Novos e velhos juntaram-se em mais uma noite que tinha como aliciante e em cartaz as estrelas do concurso televisivo Dança Comigo. Ao par famoso juntou-se um par de campeões nacionais em júniores e um par de campeões portugueses em concursos internacionais.

As qualidades da bailarina Tatiana e o seu par já são demasiado conhecidas. Dançaram e encantaram. Ela, não só pela simpatia pessoal que transmite ao público, mas também pela entrega total à dança, visível nas figuras difíceis do Quickstep ou da Valsa, bailadas num esquema aparentemente fácil aos olhos, ou no cantarolar constante das melodias! O par júnior arrebatou em acrobacia. O jovem bailarino está feito para o Jive e para a Rumba que dançou em ritmo louco. Note-se que quando descrevo em ritmo louco na Rumba, quero referir-me às cambiantes entre lento e rápido, feitas com tremenda agilidade. O terceiro par, campeões internacionais, saltaram à vista de todos os olhares atentos, quer pela beleza dos passos e figuras, quer pela presença arrebatadora no salão. Colossal as passadas triunfantes do par no Passo Doble e a nergia inesgotável no Disco Sound!

De Campos

quinta-feira, setembro 20, 2007

O CHIANTE

A Vera trocou de rodas.

Um veículo espantoso e espectacular!

Resumo das Características:

Cor: Considerando que preto e branco não são cor, a máquina é incolor.

Cilindrada: não é cilíndrico. Forma indefinível.

Velocidade máxima: Ilimitada. Dependa da altura de onde for empurrado.

Número de cavalos: cabem muitos, mas só ao colo uns dos outros. Porém, desaconselha-se esse tipo de utilização, pois o pessoal das danças entusiasma-se com facilidade.

Número de bancos: além do banco do condutor, dispõe de bancos de igreja. Como ao Miguel cabe o lugar do morto, o seu banco de igreja foi substituído por um apoio para os joelhos.

Número de pedais: contei três. É a primeira bicicleta com pedal suplente!

Seguro: Aconselha-se estar o mais afastado possível e acima de tudo atrás de uma árvore de grande porte.

Combustível: Altamente combustível, pelo que se recomenda vivamente não aproximar fósforos ou fontes de calor.

Ano de fabrico: só pode ter vindo do futuro e desenhado por um ET.

Aspecto exterior: na traseira tem dois bufadores centrais. Impressionantes. São maiores que as entradas de ar do radiador, de modo que o veículo tem duas frentes, à escolha. Quando o Miguel se porta mal, vai para a frente traseira. Como as bufadeitas são maiores que a abertura do capot, os mecânicos preferem usá-las para fazer as revisões. Tipo endoscopia.

Segurança: dispõe de extensa lista de mecanismos de segurança, destacando-se:

· Quando se mete a chave na ignição, soa um alarme que brada: «aos abrigos».

· Engrenando a primeira e única velocidade, desactiva esse alarme e soa uma voz imponente, ordenando «de joelhos», ao mesmo tempo que o potente sistema sonoro de uma só coluna, dá início ao Rosário de Fátima.

Iluminação: Para além das velas do motor, dispõe de tablier iluminado. Devido à grande qualidade da luz, o fabricante aconselha o uso de óculos de sol e a aplicação de protector solar índice 60 ou, em alternativa, uma pequena camada de cimento.

Pneus: de baixo perfil e grande aderência. Aderência às jantes. O perfil é tão baixo que se aconselha a mudar o pneu numa cave, para evitar vergonhas. Homologados até 350 km/semana.

Economia: A da Vera foi grande, por não ter comprado um carro a sério.

Motor: Difícil de localizar. Tem um ronco estridente e é claramente de explosão. O risco de explosão é mesmo muito elevado. A sonoridade é a de cavalo afónico.

Tempo dos 0 aos 100: A Vera não atropelou ninguém, pelo que continuamos no zero.

Recuperações: Nunca mais recuperamos depois de ver este fenómeno.

Espaço interior: bastante amplo e suficiente para o Filipe conduzir com todo o à vontade, sentado no banco de trás.

Extras incluídos:

· Ar condicionado. Totalmente condicionado à temperatura exterior, no Verão, e à temperatura do motor, no Inverno.

· Equipado com ATM. Não dos que dá notas, mas sim como “auxiliar de travagem melhorada”. Em caso de emergência, recolhem os tapetes, permitindo uma ajudinha com os tacões no pavimento.

· Buzina: tipo campainha da porta, para não incomodar os vizinhos.

· Encostos de cabeça: altamente recomendável encostar a cabeça aos vidros, para impedir a sua queda ou mantê-los fechados.

Extras recusados:

· ABS: Foi considerado totalmente inútil. Quando as rodas perdem aderência a máquina simplesmente levanta voo, ao mesmo tempo que é aumentado automaticamente o volume do Rosário de Fátima.

· Tecto de abrir: Quando tiraram as medidas para o buraco, descobriram que o veículo passaria a ser um descapotável sem pára-brisas.

· Gancho de reboque: O Miguel queria instalar um, mas o conjunto poderia ficar com aspecto de porta-chaves.

Extras inúteis:

· Desembaciador do vidro traseiro: O Miguel está lá para isso. Além do que o condutor pode esticar o braço e limpar o vidro com as mangas.

· Retrovisor: A vera já é suficientemente vaidosa.

Agora a sério:

A Vera teve muito bom gosto.

Muitos parabéns.

Que faça muitos quilómetros (o bólide também).


http://www.youtube.com/watch?v=gzFlHtc2XgY

Fernando Vilas Boas.

terça-feira, setembro 18, 2007

Tango Argentino

1a AULA EXPERIMENTAL DE TANGO ARGENTINO 25 de SETEMBRO, TERÇA-FEIRA

Vem passar uma noite de terça-feira diferente connosco no ambiente informal do BA:

20:00 – 21:30: Aulas Classes with Paula Basto

Bar da Associação de Estudantes da Universidade do Minho:

Rua D. Pedro V, nº88, Braga


O tango é uma dança em que os ritmos do violino, “bandonion” e piano se misturam não havendo uma ordem de passos pré-estabelecida. O cavalheiro sugere e a dama aceita este convite tomando o seu tempo na execução do passo. O cavalheiro poderá mudar de direcção. Cada passo é uma aventura de improvisação, sentimento musical e entendimento a dois. Além do Tango serão ainda ensinadas as bases da Valsa e da Milonga Argentina.

http://bragatel.pt/tango/

Monte de papelada

Há demasiado tempo que tinha prometido a mim mesmo, de uma vez por todas, limpar a mesa de trabalho do nosso escritório lá de casa. Vezes sem conta a tarefa foi sendo adiada, até atingir proporções de papel e desorganização, que uma rápida intervenção se impunha. Dizem os manuais de psicologia que os níveis de motivação pessoal crescem se rodeados de um ambiente propício a esse crescimento. A minha mesa de trabalho é a prova viva de uma motivação quase nula neste verão, como poderão ter comprovado pelo número irrisório de crónicas escritas!

A verdade é que foram precisas apenas algumas horas de uma manhã molhada deste verão atípico para se adivinhar que o que eu tinha por baixo do monte de papelada era, na realidade, uma secretária! O lixo acumulado era tal que foi preciso vários contentores recicláveis para suportar o desperdício de papel. Hoje, escrevo-vos sobre uma mesa de trabalho arejada, onde se descortina facilmente o fundo suave em folheado de madeira. A minha nova base para escrever é um planisfério e é desta janela aberta para o mundo que espero poder conservar organizada e arrumadinha a minha secretária por muito tempo, a bem da escrita.

De Campos

quinta-feira, setembro 13, 2007

Clássicas ou latinas


Não resisti a rever uma valsa dançada por dois artistas incomparáveis:

Christopher Hawkins & Hazel Newberry

Parecem anjos deslizando nas nuvens.

Não existe chão, nem limites na sala.

Fiz uma busca no Youtube e fiquei maravilhado com o que vi.

O que fazem parece inultrapassável.

Olhando para eles, as danças clássicas ficam sem rival.

Porém, lembrei-me das latinas.

A vida que ressalta da salsa, do samba, do cha-cha-cha, etc.

Acho que não pode haver competição entre clássicas e latinas.

É como comparar dois filhos.

Podemos ficar maravilhados com todas as danças.

Para cada momento há uma dança apropriada.

Para cada estado de espírito há um ritmo perfeito.

Para cada par um passo mais acertado.

Suponho que ninguém pode gostar de tudo todo o tempo.

Renoir - Dance at Bougival

É como um cozinhado:

Pega-se no estado de estado de espírito e junta-se o local apropriado.

Mexe-se no momento e acrescenta-se o par ideal.

Espera-se que se espalhem no ar os primeiros acordes e voilá.

Bom apetite!


Fernando Vilas Boas

segunda-feira, setembro 10, 2007

A dança dos mosquitos

O verão não é só sinónimo de férias, sol e praia. Em certas circunstâncias pode ser também sinónimo de noites mal dormidas, pesadelos, insónias e lutas inglórias com almofadas na mão. A explicação para o mal-estar nas noites quentes deve-se fundamentalmente à existência de um insecto minúsculo de nome mosquito. Como é que um ser ridiculamente pequeno consegue atormentar noites a fio o sono de uma outra espécie viva, é mistério insondável para mim!

Os mosquitos adoram dançar junto à água, são adoradores de praia. No local onde eu vivo aparentemente não há água à superfície até que uns iluminados resolveram cavar no início deste ano uma cova bem funda e larga. Deixaram assim o fosso várias semanas e quando voltaram encontraram uma bela lagoa. Na Primavera começaram as primeiras rãs a coaxar e no Verão vieram os mosquitos nos visitar. Começou assim o inferno de noites mal dormidas com lutas infindáveis.


O uso de insecticidas estava fora de questão, já minha pequena filha estava protegida por uma rede, agora eu e a minha mulher digladiamo-nos incessantemente com os pequenos monstros todas as noites. O tecto e as paredes ficaram borrados de sangue, o que já em si é mau sinal porque significa que os vermes voadores tinham-se banqueteado com o sangue quente de nós mamíferos. Felizmente que o sol quente foi de pouca dura e a chuva resolveu aparecer neste Verão atípico. Hoje estão aí os iluminados de novo para construir mais betão! A única coisa que espero é que devolvam o aquífero à natureza que estragaram e mantenham os mosquitos longe!

De Campos

quarta-feira, setembro 05, 2007

As pequenas coisas

Faz alguns anos que li «O Deus das Pequenas Coisas», de uma escritora indiana chamada Arundhati Roy.

A ideia que suporta todo o livro é a de que aquilo que define o nosso caminho na vida são as pequenas coisas.

O que parecem ser “grandes decisões” não passam de grandes ilusões ou são apenas a conclusão final de várias pequenas coisas.

Basta lembrar como cada um veio ter ao mundo das danças.

Ou como é que cada um escolheu a profissão.

Todas as “grandes decisões” são normalmente a “pequena coisa” mais natural que se segue a um conjunto de outras “pequenas coisas”.

Como nos conhecemos? Como se criou uma relação mais ou menos forte?

Como em tudo na vida, também na dança a beleza está nos pormenores, nas “pequenas coisas”.

Mas não é fácil ter atenção a essas “pequenas coisas”.

O desafio é sobretudo conseguir olhar para os outros como pessoas.

É olhar para cada árvore sem esquecer a floresta.

Num passeio, encontrei algo curioso que gostava de partilhar e de onde tirei duas lições:

A primeira é que se estivermos atentos às pequenas coisas, podemos encontrá-las onde menos esperamos.

A segunda é a de que devemos ver cada pequena coisa no seu tempo, ainda que nos pareça que é eterna.

A rocha que encontrei desapareceu no dia seguinte, encoberta pelo mar!

Fernando Vilas Boas

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