sexta-feira, novembro 30, 2007

A RECONQUISTA

Soubemos de fonte pouco segura que um restrito grupo de dançarinos da turma de sexta, devidamente desencaminhados pelo seu professor, está a preparar a reconquista do Brasil.

Os próprios confessam não ter ainda data definida, mas sabemos que o ataque às costas brasileiras está previsto para os primeiros dias do ano da graça de 2008.

Consta até que um dos expedicionários manifestou preferência pelo ataque às frentes, mas foi de imediato desmobilizado.

O comando diz que guerra é guerra e há que respeitar a tradição. O ataque terá início pelas costas!

Move os nossos heróis o espírito reevangelizador de Bento XVI, que pretendem pôr em prática, assumindo as suas posições de missionários sempre que possível e mesmo quando a população indígena não esteja para aí virada.

O ataque terá lugar por via aérea, dado que todos eles têm falta de prática na arte de arvorar o mastro e enfunar a vela.

Levam bilhete só de ida pois, devido às restrições orçamentais, a volta será a nado, aproveitando os ventos alíseos e as correntes do Atlântico. Estão já precavidos para a possibilidade de marrar com os caracóis na ilha da Madeira, mas aceitam o risco com valentia.

Aliás, sentem em si postos os olhos da valorosa nação e ouvem a voz dos egrégios avós, situação que muito os assusta.

Inspiram-se nos Lusíadas, sobretudo na parte «Cantando espalharei por toda a parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte». Quem os conhece, não lhes encontra grande engenho, nem arte, mas como são desconhecidos no Brasil, pode ser que tenham sorte.

Pensam mesmo reescrever os Lusíadas, prevendo-se que comecem por trespassar o olho.

Um deles afirma que quer molhar a pena logo que desembarque, iniciando a nova versão da epopeia nacional.

A intenção é executar a sua missão com jeito. Mas se isso não resultar, terá de ser à canelada. Para o efeito, irão armados com bacamarte.

Cada um terá o seu, mas, devido às restrições orçamentais, não será de 200 milímetros, como queriam, mas de uns vergonhosos 60 milímetros.

Tentarão compensar essa limitação, não com a violência dos ataques, mas na sua repetição. Antevêem-se já muitos sacrifícios e possíveis sobreaquecimentos do bacamarte.

Nesta valorosa expedição, contam com o apoio condicional das suas namoradas, que os tem mantido a pão e água. Aliás, estas são mais adeptas do «make love, not war», pelo que preferiam que eles deixassem ficar os bacamartes à sua guarda.

Compreensivelmente, os nossos heróis rejeitam essa possibilidade, afirmando mesmo que, sem bacamarte, desembarcariam apenas armados em parvos, inviabilizando os seus objectivos.

Pela nossa parte, manifestamos publicamente total solidariedade para com os intrépidos colegas que, arriscando a vida e a fraca reputação, se atiram de cabeça a tão perigosa aventura.

Fazemos votos para que regressem com o bacamarte no mesmo estado em que daqui o levam.

Fernando Vilas Boas

sexta-feira, novembro 23, 2007

Carta ao Paina Tal

«Caro Paina Tal:

A julgar pela publicidade, este ano antecipaste o Natal.

Assim, levas também desde já a minha cartinha.

Pois bem! É só para dizer que estou farto.

Farto de trabalhar para ver os outros a governar-se.

Farto de tentar dançar em condições, para afinal só fazer figuras tristes, dar cabo dos joelhos e da sola dos sapatos.

Farto de fotografar o presente, para no futuro olhar para ele como passado.

Farto de ler coisas que me podem vir a ser úteis, mas que só me fazem peso.

Farto de ler coisas que me parecem inúteis, mas que acabam por ter interesse para os outros.

Farto de ouvir que é Natal quando um homem quiser, quando o feriado é só a 25.

Farto de ouvir lamentações, vindas daqueles que deviam era estar contentes.

Farto de ver alegria na cara de miseráveis que deviam chorar a tempo inteiro.

Farto de um mundo confuso, que confunde as pessoas, que confundem o mundo.

Farto de ver na televisão os que pensam que mandam, mandados por uns insignificantes que mandam neles e em nós.

Farto de ver notícias sobre futebol, novelas, desgraças, pilófilos e ingleses pedantes.

Farto de ter de comer as batatas com bacalhau no dia 24 e a roupa velha no dia 25, sempre com a cara de parvo de quem tem de gostar.

Farto de ouvir falar da crise do ambiente, quando não me chamo ambiente.

Farto do medo da gripe das aves, quando não tenho asas.

Farto de fazer de Pai Natal para os outros.

Farto de estar farto.

Por isso:

Caro Paina Tal.

Este ano entro no esquema.

Conta comigo para a distribuição, nem que tenha de fazer de rena.

E vê se cumpres, senão furo-te os pneus do trenó e vais ter de distribuir os presentes no chiante da Vera.

E se isso não chegar conto a verdade ao meu filho.

Sou quem sabes

PS: Eu sei que até hoje sempre dei sempre com o caminho para casa. Mas se for para fazer de rena, vais ter de me arranjar um GPS de última geração… E já agora, manda-me uns sapatos que me ensinem a dançar.

Pois! Já sei que não existem sapatos desses. Mas tu também não e mesmo assim eu estou a escrever-te

Fernando Vilas Boas

quinta-feira, novembro 15, 2007

O cavalheiro

Falar do cavalheiro não é fácil, mas já que me desafiaram…

Acreditem senhoras: Cavalheiro totalmente Cavalheiro é difícil de encontrar, mas existe.

Diria mesmo que na turma de sexta abundam os cavalheiros com «H» grande (atenção aos comentários…).

Outros tipos:

Tipo I:

Pé de chumbo: inscreveu-se na dança porque foi obrigado, porque lhe disseram que era moderno, porque se sentia só, ou porque foi enganado. Tem o ouvido de uma porta e a coordenação motora de um rinoceronte. Se for inteligente, consegue apreender alguma técnica, mas nunca o sentimento ou o ritmo. A senhora sente-se uma vítima nas suas mãos. Os outros pares fogem dele como de um carro desgovernado.

Tipo II

Convencido: igual ao pé de chumbo, mas convencido que é bom. Inconsciente. Assassina qualquer música e pisa senhoras e cavalheiros. É um incentivo à imaginação das senhoras na hora de inventarem desculpas para não dançar.

Tipo III

Entusiasta: apaixonado pela dança. Gosta de todos os tipos e dança contente com qualquer senhora. Desmoraliza com uma critica directa, mas recupera com um simples sorriso. Dança empenhadamente com qualquer senhora. Educado e respeitador. Nos casos mais graves é cheio de tiques e toques.

Tipo IV:

Caçador: não quer saber da dança. Toda a sua atenção está na senhora. Tem tendência para contar anedotas de mau gosto, para salivar bastante e para usar perfumes baratos. Por vezes dança com o telemóvel no bolso. Rapidamente é descoberto. Sente-se excluído logo nas primeiras aulas e desiste ou muda de atitude. Mesmo mudando, mantém os mesmos genes.

Tipo V:

Sedutor: gosta da dança e das senhoras. Conhece e respeita os limites (salvo se for convidado a ir mais além e lhe agradar o sorriso). Confia em si mesmo e é competente na dança. Habitualmente mantém um sorriso discreto e um olhar directo.

Tipo VI

Perfeito: Capaz de executar todos os passos na perfeição. Apreende qualquer coreografia num estalar de dedos. Respeitador, simpático, atencioso e capaz de sentir o pé atravessado por um tacão mantendo um sorriso nos lábios. Conduz a senhora como um mestre toca o seu violino. Mantém a postura e a elegância nem que esteja a dançar com botas de futebol. Se conhecerem algum, avisem pois só acredito quando o vir.

Acima de tudo, lembrem-se senhoras:

Um cavalheiro é uma criança em ponto grande, que perdeu o medo do escuro mas continua com medo de muitas outras coisas e, por isso, fica tranquilo com um simples sorriso e contenta-se apenas com um pouco de atenção e carinho.

Já agora, faço um desafio às senhoras:

Quais as qualidades que mais apreciam e quais os defeitos que mais detestam no cavalheiro?

Quem tem coragem?

Fernando Vilas Boas

quarta-feira, novembro 07, 2007

O reconhecimento

Num simples jantar podem passar muitas coisas.

No jantar do dia 31, um dos convivas trouxe duas ideias inovadoras:

A primeira é que a nossa vitela era porco…

A segunda tinha lido no Expresso e abrangia dez por cento da população portuguesa.

Quando fez essa afirmação apareceu o Filipe, sentou-se e ficamos dez na mesa!

Certamente uma coincidência ……!

O Filipe é um conversador.

(Se não fosse meu professor, diria que só não é um rádio porque não dá para desligar).


Uma das ideias que lhe saíram, foi que mesmo os alunos com dificuldade se sentem bons dançarinos se forem a uma aula de nível mais baixo.

Lembra-me um artigo da revista «Atlântico» de Junho passado, que começa assim:

“Segundo Hegel, os homens e os animais desejam comida, bebida, abrigo e, acima de tudo, preservação do próprio corpo. O Homem distingue-se porque deseja ser “reconhecido” pelos seus”.

Ora, a ser assim, os nossos méritos acabam por ser relativos.

Na verdade, o “reconhecimento” implica uma relação com os outros.

Por isso, para sermos “reconhecidos” necessitamos de ser vistos como bons.

Somos bons dançarinos junto de quem sabe menos que nós e somos maus junto de quem vai à nossa frente.

Imagino alguém que vive de um salário mínimo, numa casa arrendada, sem perspectivas de melhorar.

Essa pessoa considera-se miserável ou privilegiada em função da comparação que faz com os outros.

Comparada com alguém que vivia há cem ou duzentos anos, está bem acima da média: uma casa com casa de banho, água quente, apenas oito horas de trabalho por dia e férias, fins-de-semana, etc.

O sucesso de cada um depende do vizinho do lado.

E lá voltamos à questão do “reconhecimento”

Sendo ele relativo, há que usá-lo a nosso favor.

Assim, se pensarmos que somos melhores que alguém, convém lembrar que outros são melhores que nós.

Mas quando nos sentimos em baixo devemos ter presente que outros estão pior.

Os problemas têm a dimensão que lhes dermos (será que a Sónia já concorda com isso?).

A nossa força vem da consciência das nossas qualidades e dos nossos limites.



Fernando Vilas Boas

quinta-feira, novembro 01, 2007

O regresso do Nias

Como vimos, o Nias embalou mar alto, deixando a amada que nunca viu nem ouviu.

Ao fim de um jive de três dias, aconteceu algo extraordinário.

Viu, mesmo sendo cego.

Ouviu, mesmo sendo surdo.

Na verdade, a água do mar dilui-lhe a cera dos ouvidos e removeu-lhe o lixo dos olhos.

A culpa foi da mãe, que nunca lhe deu banho.

Para além de porca, a senhora era uma cabra que não queria saber da descendência.

Mas foi por isso que casou.

Efectivamente, o pai do Nias gostava de cabras.

Na adolescência visitava regularmente o curral de um vizinho.

Mas teve de desistir dessas visitas, porque o bode era ciumento e, tendo as armações enroladas para a frente, um dia deu-lhe uma marrada, de modo que o jovem pai do Nias gostou na hora, mas depois passou quinze dias a comer em pé.

A partir daí decidiu mudar de vida e dar mais atenção ao mundo. Até que um dia ouviu um cliente daquela que seria a sua futura esposa chamar-lhe “grande cabra”. Aliás, dirigiu-lhe mesmo alguns dos elogios habituais, extensivos à mãe dela.

Mas o que lhe ficou no ouvido foi o facto de ela ser uma “grande cabra”.

Teve com ela uma conversa franca, revelando as suas intenções.

Ela chamava-se Agrado (a que inspirou o Pedro Almodôvar), porque gostava de agradar aos homens.

Como era hábito dela, foi muito aberta, mas como mulher de negócios aplicou-lhe a tabela.

Esse hábito já o tinha bem enraizado do tempo em que dava espectáculos como bailarina exótica.

Os clientes protestavam contra o facto de ela ser um verdadeiro camafeu, mas o empresário respondia-lhes que mais exótico não encontrariam. Eles lá comiam a resposta e seguiam caminho, mas a verdadeira razão é que ficavam a achar que, à beira daquilo, as suas esposas eram modelos de revista. Bem, quase!

O pai do Nias fez logo um test drive. Apreciou o facto de ela ter uma penugenzita. Enfim, ela era cabeluda. Aliás, tinha mesmo uma pelugem sedosa que lhe cobria todo o corpo.

Mas a promessa maior era o facto de ela ter aquele farto par de seios nas costas.

Como ele gostava de dançar imaginou logo que tinham futuro.

Três meses depois de se conhecerem nasceu o Nias, fruto de uma gestação de 150 dias.

Mas voltando ao Nias, quando no mar alto arregalou os olhos, sentiu-se um iluminado.

Era o efeito do sol.

Foi então que se sentiu picado por uma lança de madeira.

Perdeu os sentidos e acordou dentro de uma embarcação.

Ficou tranquilo e achou que estava salvo.

E daí, não tinha a certeza.

Fernando Vilas Boas

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